Acidentes e trabalho escravo vão aumentar com MP 905, denunciam MPT e auditores

MP do governo cria nova instância jurídica e limita fiscalização dos auditores do trabalho. Para sindicato da categoria e Ministério Público do Trabalho, decisão tira proteção social da classe trabalhadora

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Os aumentos no número de acidentes de trabalho, do uso de mão de obra escrava e infantil e de troca de favores políticos para burlar a fiscalização são algumas das situações que poderão ocorrer caso a Medida Provisória nº 905, ou Programa Verde e Amarelo do governo seja aprovada pelo Congresso Nacional, denunciam o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).

O procurador e secretário de Relações Institucionais do MPT, Márcio Amazonas, critica a visão equivocada do governo de que o MPT e a Justiça do Trabalho são empecilhos para a criação de emprego. De acordo com ele, “quando o MPT pune quem utiliza o trabalho escravo ou infantil, protege o empregador honesto que vê seu competidor ter menos custos e colocar um produto à venda com valor mais baixo, porque adotar medidas de segurança e saúde custa caro”.

Para Amazonas, o mercado e economia viraram palavras de ordem, mas o governo esquece que é preciso andar de mãos dadas com a sociedade. “Somos a favor da pujança, da melhora da economia, mas ela tem de vir acompanhada dos direitos sociais constitucionalmente garantidos porque se o trabalhador ganhar menos, não tiver proteção, não vai consumir e a roda do desenvolvimento não gira”.

Carf Trabalhista

A MP 905 de Jair Bolsonaro embute uma proposta de redução do poder de fiscalização dos órgãos que compõem a estrutura do Judiciário Trabalhista, alegando que é preciso dar uma oportunidade para que as empresas não sejam punidas injustamente.

Isso seria feito com a criação de uma nova esfera judicial, que atuaria em segunda instância, composta por representantes dos patrões, trabalhadores e Auditores Fiscais do Trabalho designados pelo Secretário Especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho.

A proposta foi apelidada de Carf Trabalhista porque é inspirada no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, formado por servidores e por empresários, que analisam as autuações tributárias.

A preocupação tanto do Sinait quanto do MPT são as indicações políticas, de pessoas com o poder de julgar os recursos das empresas autuadas pela fiscalização.

“A ameaça que avaliamos é a possibilidade de essa estrutura abrir caminho para politização das decisões dos autos de infração”, afirma o presidente do Sinait, Carlos Silva.

“Isto significa que os indicados políticos do Rogério Marinho, ex-relator da reforma Trabalhista, podem manter ou anular uma multa ou dizer que determinada empresa não precisa adequar seus equipamentos de segurança”, diz.

Atualmente, qualquer empresa autuada pelos fiscais do trabalho pode apresentar sua defesa, que é analisada pelos próprios auditores fiscais do trabalho.

“Se a infração cair em primeira instância ela sobe para segunda instância, também formada por auditores fiscais do trabalho. E à luz da convenção 81 da OIT [Organização Mundial do Trabalho] são os atos dos agentes de inspeção do trabalho que protegem a lei da política externa”, explica o dirigente.

Trabalhos escravo e infantil podem aumentar

Outra preocupação do Sinait é o aumento do trabalho escravo e infantil, pois com restrições às multas e ao Termo de Ajuste de Conduta (TAC), imposto pelo Ministério Público do Trabalho às empresas infratoras, seus nomes podem não ser inclusos na lista suja do trabalho escravo.

Pessoas poderosas poderão exercer um lobby junto a esses apadrinhados políticos que farão parte dessa ‘segunda instância’ e ficar de fora da lista suja do trabalho escravo. O risco de encarceramento de trabalhadores é muito grande

– Carlos Silva

Para o procurador do MPT, Marcio Amazonas, a criação do Carf Trabalhista afeta diretamente o tripé dos direitos sociais do Brasil, formado pelo MPT, os auditores fiscais e a Justiça do Trabalho.

“A Justiça, a fiscalização dos auditores e o MPT são agentes que evitam acidentes de trabalho, a exploração sexual infantil, o trabalho escravo e as fraudes nas relações do trabalho”.

Se [o governo] fragiliza um lado, fragiliza todo o sistema. Um Estado que não confia na maior autoridade trabalhista, não passa confiança para a classe trabalhadora

– Marcio Amazonas

Acidentes de trabalho também podem aumentar

Amazonas teme também que o Carf Trabalhista, ao reduzir o poder do MPT em aplicar o TAC para que uma empresa se ajuste à legislação vigente, aumente ainda mais o número de acidentes do trabalho no Brasil.

Segundo o Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho (MPT) em sete anos, o número de acidentes de trabalho no Brasil chegou a 4,5 milhões, o que corresponde a 1.760 acidentes notificados por dia. Foram 16,5 mil mortes (uma a cada 3 h 50 min), além de 740 mil cortes e dilacerações, 610 mil fraturas e 40 mil amputações.

EDSON RIMONATTOEdson Rimonatto

“Economizar na fiscalização não é um bom negócio. Nos últimos sete anos, o governo gastou R$ 80 bilhões com acidente de trabalho, como demonstra o Observatório do MPT”, destaca o procurador.

Para Amazonas, a já grave situação da fiscalização feita por auditores fiscais e o MPT pode piorar porque o governo retirou mais recursos dos órgãos fiscalizadores no orçamento para 2020.

Foram reservados apenas R$ 26 milhões para operações de inspeção de segurança e saúde no trabalho, combate ao trabalho escravo e verificações de obrigações trabalhistas – uma queda de mais de 63% em relação ao orçamento de 2019, que era de R$ 70,4 milhões.

Interpretação da lei pode prejudicar trabalhador

O Carf trabalhista prevê ainda a padronização dos autos de infração, quando há decisões diferentes de auditores em situações parecidas. Para o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, esta é mais uma decisão do governo que vai prejudicar a proteção aos trabalhadores.

“Ter uma pessoa distante da realidade do fato, sem o conhecimento jurídico de um auditor fiscal que avalia o conjunto de leis que se aplicam ao caso, só afeta o trabalhador que terá a interpretação da lei contra si”, diz Carlos Silva.

Fonte: CUT